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28 de abril de 2018

PT -- GUERRA NUCLEAR: 2.9 A Bomba secreta de Israel

MANLIO DINUCCI

“Copyright Zambon Editore”


GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe

ÍNDICE



2.9  A Bomba secreta de Israel 

Enquanto os EUA, a Grã-Bretanha e a União Soviética procuram impedir, com o Tratado de Não-Proliferação, que outros países entrem no club nuclear, do qual fazem parte, em 1968, cinco membros, um sexto país infiltra-se no círculo das potências nucleares, conseguindo não só entrar pela porta de serviço, do nuclear civil mas, uma vez lá dentro, a tornar-se oficialmente invisível: o convidado de pedra é Israel. No mesmo momento em que, em 1968, o Tratado de Não-Proliferação se torna aberto às assinaturas, ele está já a distribuir em segredo, as suas primeiras armas nucleares. A história sobre como Israel consegue construí-las, sem nunca revelar a sua existência, desenvolve-se no mundo escuro dos assuntos nucleares. 

O programa nuclear militar começa no mesmo ano do nascimento de Israel; em 1948, sob ordens do Ministro da Defesa, um grupo de cientistas efectua prospecções no deserto do Negev, à procura de urânio. Encontrado um mineral de baixo teor de urânio, aperfeiçoam um processo para extraí-lo e desenvolvem, também, um novo método para extrair água pesada, que serve de moderadora nos reactores nucleares. Neste ponto, Israel tem necessidade de um reactor. Para obtê-lo, volta-se secretamente para a França, com a qual já colabora no sector nuclear: cientistas israelitas participaram, no início dos anos 50, na construção de um reactor de água pesada e num projecto de reprocessamento, em Marcoule.

A resposta de Paris chega, sempre num envelope selado, no Outono de 1956, poucas semanas antes das forças israelitas invadirem o Sinai egípcio, para dar à França e à Grã-Bretanha a maneira de ocupar a zona do Canal do Suez, depois da nacionalização do mesmo, decidida por Nasser. Para recompensar Israel, logo que acaba a crise do Suez, o governo francês envia os seus técnicos para construir, no máximo segredo, num bunker subterrâneo em Dimona, no deserto do Negev, um reactor nuclear de 24 megawatt de potência. Para fazer chegar os componentes ao reactor, em Israel, o governo francês envolve-se em contrabando, declarando à sua própria alfândega, que são partes de uma fábrica de dessalinização, destinada, no quadro da cooperação internacional, a um país da América Latina.

As autoridades israelitas também fazem o seu melhor para esconder a verdadeira natureza dos trabalhos de construção, que são fotografados em 1958, antes que um espião aéreo americano,  sem temer contradizer-se, declarara que se trata de uma fábrica têxtil, depois diz  ser uma estação agrícola, em seguida, um centro de pesquisa metalúrgica. Ao mesmo tempo adquirem da Noruega, por baixo da mesa, 20 toneladas de água pesada com base num contrato, tornado conhecido, 30 anos depois, que vincula a parte que a adquire, a usá-la unicamente para fins pacíficos. O governo norueguês foi verificar só uma vez,quando a água pesada, chegada a Dimona, ainda estava nos bidões, no exterior da fábrica. Depois não foi lá mais, fiando-se na palavra dada em segredo, pelo governo israelita.
  
Porém, logo depois, em Maio de 1960, o Presidente De Gaulle, temendo que um eventual escândalo, enfraquecesse a posição internacional da França, no momento delicado em que estava comprometida com a guerra da Argélia, pede ao Primeiro Ministro isrealita, Ben Gurion, para tornar o projecto do conhecimento público. Porém, este recusa. O contencioso resolve-se com um compromisso formal: a França completará o fornecimento dos componentes do reactor e de matéria físsil; em troca, Israel revelará a existência do reactor e empenhar-se-á a usá-lo só para pesquisa nuclear civil. Em Dezembro de 1960, Ben Gurion anuncia ao mundo a existência do reactor, garantindo que será usado para fins exclusivamente pacíficos.

Sobre a cena em que se recita a comédia do nuclear pacífico, entra nesta altura, outro actor, o governo dos EUA, que pede oficialmente a Israel para submeter o reactor de Dimona a inspecções internacionais. O governo israelita aceita, pondo uma única condição; as inspecções devem se efectuadas pelo governo dos EUA, que depois comunicará os resultados aos outros. Assim, entre 1962 e 1969, chegam a Dimona,  em várias ocasiões, os inspectores enviados por Washington. São alguns dos maiores peritos nucleares. No entanto, eles são bastante ignorantes ou desonestos, para não notar que os locais que estão a visitar são uma ‘mise-en-scène’, com instrumentos falsos  que imitam processos inexistentes do nuclear civil, e que sobre o pavimento está um enorme bunker de oito andares onde se constroem armas nucleares. Com base nos resultados das inspecções, quer o Presidente Lyndon Johnson, quer o Presidente De Gaulle, asseguram oficialmente, que a instalação é usada apenas, para fins pacíficos. Entretanto, em 1965, na Nuclear Materials and Equipment Corporation, uma empresa americana com sede em Apollo (Pennsylvania), são «perdidos» 90 kgs de urânio altamente enriquecido, que, com toda a probabilidade, reaparece em Israel.

Deste modo, as instalações de Dimona são completadas e, provavelmente, em 1966, começam a produzir armas nucleares. Para protegê-las, são instalados à sua volta, 25 mísseis antiaéreos Hawk, fornecidos pelos EUA. Em 1967, Israel já tem, pelo menos, duas bombas nucleares, que distribui secretamente na Guerra dos Seis dias. Os vectores que as podem transportar (entre os quais os caças A-4E Skyhawks e o F-4E Phantoms) foram também fornecidos pelos EUA. O Egipto, antes da guerra, procura obter armas nucleares da União Soviética, mas Moscovo não lhas dá.

Israel prepare-se de novo para usar armas nucleares quando, na fase final da Guerra do Kippur, em Outubro de 1973, as suas forças se encontram em dificuldades devido ao ataque egípcio e sírio. A decisão foi tomada secretamente, pela Primeira Ministra, Golda Meir e pelo Ministro da Defesa, Moshe Dayan: ogivas nucleares de 20 kiloton estão prontas a ser lançadas sobre o Egipto e sobre a Síria pelos mísseis Jericho 1 (construídos em Israel sob projectos franceses) e por caça bombardeiros fornecidos pelos EUA. A história completa, compreendendo o número de ogivas nucleares, será, em seguida, voluntariamente vazada pelos serviços secretos israelitas, para advertir os países árabes que Israel tem armas nucleares e que está pronto a usá-as. Depois da guerra do Kippur, o programa nuclear israelita acelera, desenvolvendo um processo  mais rápido para o enriquecimento do urânio e a miniaturização das ogivas nucleares, para poderem usá-las também nos canhões 175 e 203 mm, fornecidos pelos EUA.

Que Israel possui uma capacidade nuclear militar desenvolvida, embora não o admitindo, nesta altura já não é segredo. No entanto, o governo israelita não se contenta em desenvolver as suas próprias armas nucleares. Procura por todos os meios, conservar o monopólio dessas armas no Médio Oriente, impedindo que os países árabes desenvolvam programas nucleares, com os quais um dia podiam construí-las. Fundamentados nesta estratégia, seguramente concordada por Washington, em 7 de Junho de 1981, Israel lança um ataque contra o reactor Tammuz-1, que está para entrar em funções em Osiraq, no Iraque: 8 caças F-16, acompanhados de 6 F-15, fornecidos pelos EUA e guiados pelo sistema americano de satélites, atingem o reactor com 15 bombas de mais de 900 kgs, destruindo-o. É o primeiro ataque no mundo, contra um reactor nuclear, para mais pertencente a um país, que ao contrário de Israel, aderiu ao Tratado de Não-Proliferação de armas nucleares (O Iraque assinou e, 1968 e ratificou em 1969) e que também pode ser submetido às inspecções da Agência Internacional da Energia Atómica (IAEA).

Poucos dias depois, Israel rejeita a resolução 487 com a qual, em 19 de Junho de 1981, o Conselho de Segurança das Nações Unidas lhe ordena, entre outras coisas, para colocar todas as suas instalações nucleares sob a jurisdição da IAEA. Rejeita também as cinco resoluções que a Assembleia Geral emite, entre 1981 e 1989, sobre o armamento nuclear israelita. Na resolução de 15 de Dezembro de 1989  (44/121), a  Assembleia Geral «reitera a sua condenação à recusa de Israel em renunciar à posse de armas nucleares; exprime profunda preocupação pelo facto de Israel continuar a produzir, desenvolver e adquirir armas nucleares e a experimentar os seus transportadores; convida todos os Estados e organizações que não o haviam ainda feito, a não cooperar mais com Israel e a não lhe dar assistência no campo nuclear; pede, mais uma vez, que esse Estado coloque todas as instalações nucleares sob a alçada da jurisdição da Agência Internacional da Energia Atómica; reitera o seu pedido para que a IAEA suspenda toda e qualquer cooperação com Israel, que possa contribuir para a sua capacidade nuclear; pede, mais uma vez, ao conselho de Segurança, para tomar medidas urgentes e eficientes para que Israel se adapte à resolução 487 do mesmo Conselho». Nada disto acontece.

Para abrir uma brecha no muro de silêncio e conivência que esconde os segredos de Dimona (que agora, na verdade, já não existem), não é uma grande potência que o faz, mas sim, um pequeno homem. É um técnico israelita, na ocasião com cerca de trinta anos, Mordechai Vanunu, que trabalha de 1976 a 1985, nas instalações nucleares de Dimona. Quando, depois de algum tempo, percebe que se produzem armas nucleares, Vanunu decide recolher provas, conseguindo, também, tirar algumas fotografias. Depois de ter deixado Dimona, em 1986, gradua-se em Filosofia e converte-se à religião anglicana. Decide, então, tornar públicas as provas recolhidas. Vai para Londres, onde contacta o jornal The Sunday Times. A redacção, antes de publicar o testemunho, fá-las examinar por alguns dos maiores peritos de armas nucleares.

Frank Barnaby, um físico nuclear que trabalhou no centro de pesquisas britânico sobre armas nucleares, depois de ter entrevistado Vanunu, na tentativa de encontrar alguma lacuna científica no seu depoimento, concluiu: «O seu testemunho é completamente convincente». Theodore Taylor, que trabalhou no projecto da primeira bomba americana e, em seguida, dirigiu o programa de experiências de armas nucleares do Pentágono, depois de ter examinado as provas de Vanunu, declara: «O programa israelita de armas nucleares é notavelmente mais avançado do que quanto foi indicado em qualquer relatório ou conjectura precedente». Estes e outros peritos calculam que Israel tinha fabricado, até àquele momento, 100-200 armas nucleares, com uma potência global, dez vezes maior, do que a estimada anteriormente.

The Sunday Times decide publicar as provas na edição de 5 de Outubro de 1986. Mas, antes de Vanunu ver o seu testemunho publicado, a mão comprida do Mossad, o serviço secreto israelita, apanha-o em Londres: uma mulher bonita marca-lhe um encontro em Roma, em 30 de Setembro de 1986. Quando, em 5 de Outubro, The Sunday Times  publica com o título «Revelado: os segredos do arsenal nuclear de Israel» e o relatório contendo as provas, Mordechai Vanunu já tinha sido transportado para Israel. Aqui, enquanto estava dentro de um automóvel, consegue escrever na mão «fui raptado em Roma» e, premindo-a contra o vidro da janela, faz ler a mensagem aos jornalistas. O tribunal israelita condena-o, em Março de 1988, a 18 anos de reclusão. Três meses depois, a magistratura italiana encerra o caso do seu rapto em Roma «por falta de provas».


O processo de Mordechai Vanunu é definido como «um dos mais estranhos recordados na jurisdição de um país civil». De facto, ele é acusado e condenado, com base no código penal, por ter revelado a existência de algo que o governo israelita nega que exista: ninguém explica como pode ele ter posto em perigo a segurança do Estado, divulgando informações secretas e ajudando assim um inimigo em guerra com Israel, se a fábrica de armas nucleares não existe.



Tentando justificá-lo sem algum fundamento, o Ministro da Justiça israelita salienta, numa carta datada de 4 de Julho de 1989, que «a lei israelita proíbe a divulgação de qualquer informação que diga respeito à segurança, mesmo que ela seja falsa» e, «segundo quanto declarou o Ministro da Defesa, não pode ser fornecida ao tribunal nenhuma prova à cerca da veracidade ou falsidade da informação dada pelo senhor Vanunu». O verdadeiro crime de Vanunu, escreve A.Cohen, « não consiste no que disse, mas no facto que o disse: a sua verdadeira culpa, foi falar abertamente sobre as armas nucleares de Israel». Ele quebrou, deste modo, a compreensão tácita entre os governantes e a opinião pública de Israel, de não discutir as questões nucleares».

Por tal razão, Mordechai Vanunu é mantido numa cela de isolamento durante 12 anos, nos primeiros dois anos, com a luz acesa dia e noite e controlado por uma câmara de video vigilância. Pode receber, só uma vez por mês, durante uma hora, visitas de um familiar ou de um sacerdote, com o qual pode falar sob a vigilância de um guarda e separado por uma grade. As suas condições de detenção são definidas pela Amnestia Internacional como “cruéis, desumanas e degradantes». Quando, em Dezembro de 2002, pede para ser solto sob palavra, dois anos antes de terminar a pena, foi-lhe negado com base no parecer dos serviços secretos que «Vanunu, mesmo depois de 16 anos de cárcere, pode ainda possuir segredos nucleares vitais».

Mordechai Vanunu sai da prisão em 2004, mas desde então está submetido a graves restrições à sua liberdade: não pode ter contactos com cidadãos estrangeiros, sem a autorização do Ministro do Interior, não pode aproximar-se das embaixadas e consolados, não pode possuir um telemóvel nem aceder à Internet, não pode deixar o Estado de Israel. Por ter contactado jornalistas e vultos de organizações humanitárias, foi preso outra vez.

No conteúdo desta história de proliferação comum, entrelaçada com mentiras oficiais e cumplicidade escondida, coloca-se o «caso Vanunu»: a escolha de um homem que, consciente dos riscos envolvidos, decide gritar a verdade e infringir o tabu nuclear.

A seguir:

2.10 A entrada da África do Sul, da Índia e do Paquistão entre as potências nucleares

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos



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